Era fim de ano em Recife. Depois de caminhar pela praia de Boa Viagem, voltava pra casa com o desejo de comer um doce antes do almoço. Um café e uma sobremesa. Era tudo que eu queria. Ah, e dormir por dez horas seguidas já que na época de fim de ano isso era praticamente impossível pra quem é cozinheira. Mas estando em Recife pela primeira vez, eu só queria saber de comer e passear. Lembro de chegar de viagem e ter uma sobra de escondidinho de macaxeira que Dona Eliane deixou pra gente comer quando chegasse e de encontrar o Davi de madrugada no aeroporto, depois do voo mais rápido da minha vida. Na volta da praia, achei um pequeno restaurante-café próximo de casa. Quando entramos, fui direto no balcão ver a vitrine de sobremesas. Tinha acabado de sair uma fornada de queijadinhas que lotava o expositor e perfumava todo o salão. Pedi um expresso e um doce pra comer ali. Sentamos na mesa de frente pra vitrine da rua. Os bancos acolchoados e o café ainda vazio pro almoço me levaram pra uma Recife diferente do que eu imaginava encontrar. Era tranquilo, bucólico e tinha gente lendo jornal na calçada do café. A queijadinha chegou quente, junto com o expresso e todos aqueles cheiros e universos se misturavam e me encantavam. Davi perguntou: “ta bom?” Eu dava uma bicada no café e outra no doce, em seguida fechava os olhos e não acreditava que eu tava alí. Que meu ano tinha sido um turbilhão, mas que agora eu podia aproveitar aquele momento com quem eu amava, fazendo o que eu mais adorava nessa vida, sem julgamentos, sem preocupações: apenas comer um doce antes do almoço. Em resposta eu só soube sorrir com os olhos. Com os pratos limpos, contemplava o sumiço daquela refeição carinhosa que me despertava uma das minhas memórias favoritas do ano que eu completei 30. Chegando em casa, a porta da cozinha de Tia Inês estava aberta e ela nos convidou pra comer manga enquanto ela mostrava sua casa-ateliê cheia de histórias, pinturas, instrumentos de maracatu e arte. Esses dias acordei com a memória do celular me lembrando dessa viagem, e de que depois desse ano a nossa vida mudou completamente. Seguiram-se os anos de pandemia, eleições e grandes transformações mundiais. Desde então muitos ciclos se fecharam e outros foram iniciados. As viagens diminuíram, o coração parou algumas vezes, perdemos pessoas, a saúde se fragilizou, algumas amizades permaneceram, outras terminaram e os desejos e a vida em si mudou muito. Não acredito que exista ano perfeito, mas na possibilidade de uma vida bem vivida. Onde a gente cultiva pessoas e histórias no cotidiano, onde cada fase atravessada tem seu valor e uma funcionalidade. Como as camadas do pavê: creme, bolacha e chocolate se equilibram perfeitamente na temperatura gelada até chegar a nossa boca. Analogias e piadas à parte, poder se deliciar com momentos simples ou grandiosos é parte do festejo de estar viva. Esse ano eu queria acordar 2024 tomando café com bolo de rolo perto do mar, ou ganhar uma garrafa de vinho com carambola de alguma amiga alagoana, mas fui muito feliz me recuperando de uma covid com saúde a tempo de fazer a cocada de forno pra sobremesa e ouvindo Toni Tornado na minha cozinha. “Todo o meu canto, sai do meu coração.”
Fim de ano é sempre uma viagem interior e pra gente continuar seguindo em abrir novos ciclos, meus desejos são quase sempre os mesmos: coragem, saúde, amor e que a gente possa cuidar melhor do mundo onde a natureza possa retribuir nosso plantar com boas colheitas e menos calor escaldante. Em 2023 me transformei, amadureci e lutei contra muitas dificuldades. Mas também, realizei o sonho de viver a escrita e ainda poder continuar cozinhando e estudando. Agradecida por vocês fazerem parte desse cultivar. Sem listas, sem retrospectiva e sem grandes expectativas, apenas com o desejo de continuar sonhando vou seguindo. Com doçura e força. E acendendo um céu da virada repleto de estrelas cadentes. Para isso: feche os olhos, adoce a boca e viva seus pedidos!
ilustrações maravilhosas da querida Mona Carvalho
Um ótimo ano novo pra tu e que a gente continue se encontrando por essas leituras e escritas da vida. Um xero com gosto da sua sobremesa favorita.
Rafa Medeiros.
Pedra Branca, Ceará, dezembro de 2023.
adorei a crônica. feliz ano novo, Rafa! <3
Adorei o texto, sobre final/começo de ano sem clichês que ninguém aguenta mais (eu).
Terminei o ano com bolo e vou começar com bolo, meu doce favorito pra fazer e comer, sempre.
Feliz 2024!