Lábios de Cacau - Kalapa e poesia: baile e tambores ao leite de coco tostado
uma escrita sobre o comer e fazer dos chocolates no Brasil
Depois de uma vivência transformadora no grupo de estudos Arapuá, nunca mais eu olhei pro chocolate da mesma forma. No primeiro semestre do ano, o Arapuá teve uma programação dedicada para o tema Cacau, ministrado pela amiga querida pesquisadora do chocolate e graduanda em Nutrição pela UFRJ, Patrícia Nicolau. Nos encontramos online durante o mês inteiro de março, todas as segundas à noite, para trocar experiências sobre a história do chocolate, seus fazeres e o plantio do cacau. Tudo isso pautado na fala de convidadas super importantes para a construção da identidade e história do chocolate nativo do Brasil, e que dividiram suas experiências de vida em torno desse fruto sagrado. Além de muito aprendizado, houve também as “Cartas Chocolates”, uma troca de sabedorias feita entre as arapuás do grupo de estudos, que de diferentes lugares do país, compartilharam sua vivência sobre o assunto através da escrita, enviando junto da carta algo da sua escolha, de preferência sementes ou algo doce, feito a partir do cacau, trazendo pra perto, a riqueza e histórias que cada uma carrega sobre as coisas de comer desse fruto.
na foto da arapuá Samila: a troca de cartas sementes e chocolates Arapuás de Natasha @i_cerpa em Brasília - DF para ela @contosecozinha em Fortaleza - CE
O cacau além de alimento ancestral importantíssimo pras culturas de muitos povos nativos das Américas Central e do Sul, é uma cultura de comer historicamente revisada sobre sua origem, além de ser um dos mercados que mais escravizam pessoas e crianças na sua produção. Um fato importante sobre a história do chocolate é o contrabando de mudas de cacau, por exemplo, os cacaueiros de São Tomé e Príncipe foram os primeiros a crescer na África e sua origem remonta os tempos de Brasil colônia. As duas ilhas africanas também foram colonizadas pelos portugueses e em 1819, a corte já temerosa com a iminente independência do Brasil, o rei João VI decretou que mudas da espécie amazônica “forastero amelonado”, fossem enviadas da Bahia para a Príncipe em África, que logo no início do século XX as duas ilhas já eram líderes mundiais na produção e em escravizar a classe trabalhadora nas lavouras cacaueiras. Atualmente Costa do Marfim ainda lidera na produção e exportação de cacau. Ou seja, só existe cacau na Mãe África, porque junto da nossa terra, ela também foi usada e explorada como colônia portuguesa no mesmo tempo histórico.
as principais variedades de cacau estão classificadas a partir das origens genéticas dessas espécies. pra ler o artigo completo clica aqui
no próximo encontro falarei mais sobre os tipos e características desse fruto divino./ fonte gourmetdemexico.com
Enquanto isso, atualmente no Brasil, a moda dos últimos anos foi o movimento “bean to bar”. Os famosos chocolates feitos do grão à barra com certificação controlada, alguns associados a movimentos que respeitam a agroecologia e outros que priorizam beneficiar grandes figuras e marcas, num mercado muitas vezes hostil e desigual. Nem sempre a regulamentação desses movimentos está pautada no agricultor, nas artesãs ou nas culturas nativas do chocolate do Brasil. A prioridade de alguns projetos desse ramo é mais ser vista por olhos do grande mercado empresarial do exterior, estampado nas embalagens o glamour do chocolate fino padrão europeu, misturada a cores atrativas das matas cacaueiras e também a muita competitividade entre os associados e figuras famosas dos chocolates. É cansativo só de pensar nesse mercado de aparências que nem sempre é doce banhado a chocolate ao leite. Então, nem sempre o que vem vestido de onça ou floral de chita realmente representa o fazer do chocolate da nossa terra, e principalmente, que respeita a história de quem faz o sabor do chocolate existir no nosso país. Além do que, a cultura do fruto cacau ainda é uma figura muito distante em algumas regiões brasileiras, do gosto popular. E por isso questiono: conhecemos mesmo o que é chocolate e o sabor do seu fruto de origem? E o que fazemos com a memória do chocolate que o mercado nos moldou?
Ah quem tenha por esses interiores de Brasil a sabedoria de temperar chocolate com os lábios, de moer nibs pra fazer cocadas, de moldar bolas de massa de cacau enroladas nas folhas da própria planta e continuar a cultura do chocolate a reverenciar a ancestralidade do sabor cacau em nossas vidas.
Essa escrita almeja referenciar essas raízes, pra trazer muita luz junto de sensações únicas sobre esses sabores e poder incentivar e fortalecer esse pensar sobre o nosso comer do chocolate nativo.
Kalapa e poesia: baile e tambores ao leite de coco tostado 61% cacau
Trago então um sabor que tem me acompanhado nos últimos meses durante as minhas criações na cozinha e nos momentos de lazer de quando preciso de um docinho.
Conheci Kalapa nesse mesmo mês de programação do Cacau no Arapuá, foi indicação da amiga Patrícia Nicolau pra apresentação de Letícia sobre o design de marcas de chocolates brasileiros. Depois outra amiga, Juliana Gomes querida, juntou numa postagem pelas redes o Leite de Pedra e Kalapa e eu senti que era um sinal da Deusa IxCacao porque a vontade de comer só aumentava com esses encontros. Da admiração vieram as trocas. E de repente chegou uma caixa cheia de relíquias direto de BH, um dos berços culturais da Doçaria Brasileira.
Luiza é bióloga, escreve poesias junto de suas criações e tem um sentido aguçado no seu fazer do chocolate. Teu doce é uma arte, cheia de encantamento, te leva pra um lugar diferente do convencional. Na caixa ela me mandou uma cartinha, as cinco barras maravilhosas da Kalapa, um sabonete banho de cacau, um chá de cascas de cacau e a barra de 1kg de chocolate ao leite de coco tostado 61%cacau. Eu estava no meio da mudança pro interior e quando essa caixa chegou eu fiquei abraçada um tempão chorando e pensando: que vida maluca essa minha, mas que bom é poder fazer doce e trocar conhecimento com tanta gente talentosa por esse mundo! O cheiro do chocolate Kalapa é maravilhoso, toma de conta de tudo por onde passa e foi a primeira coisa que me cativou. Guardei a caixa pra experienciar as delícias de Luiza na casa nova em Pedra Branca e assim o fiz.
Provei primeiro um pedacim de cada das cinco barras, impossível não se emocionar comendo um chocolate e lendo as poesias. Sim, em cada sabor das barras traz junto uma poesia, o que transforma completamente a experiência de saborear algo. Pra mim, cada um desses sabores da Kalapa merece uma resenha nesses escritos do Lábios de Cacau. E por isso hoje me dedicarei a falar exclusivamente de “Baile e Tambores”. Foi impossível escolher um favorito então como critério da escrita deste artigo, escolhi pelo último pedaço da barra. Foi o primeiro que acabou, então nada mais justo que ele ser o escolhido. Agora vamos nos deliciar com esse chocolate encantado que é Kalapa.
Ao leite de coco tostado 61% cacau se chama “Baile e Tambores”. Criado por Kalapa em Belo Horizonte, é um chocolate feito com cacau orgânico agroecológico de origem, do Assentamento Dois Riachões, Bahia.
De cheiro levemente adocicado, a primeira vista traz uma beleza exótica estampada já na barra, de um nada meio amargo, super e incrivelmente cremoso. Derrete só de ficar paquerando com ele na mão. A sensação de deleite é definida quando numa mordida o baile começa acontecer na boca, derretendo devagar e devagar… e ligeiramente, trás o tímido doce do ao leite. Super charmoso e cremoso, o ritmo continua preenchendo a boca com sabor e cheiro: é quando o tostado do leite de coco dá as caras, deixando toda essa dança vibrar pelas bochechas, soltando o ar do cacau e fechando os olhos num suspiro, se deliciando por completo dessa experiência. Aí você só quer continuar dançando, mordendo, derretendo, fechando os olhos, e isso sem perceber você já pode ter comido metade da sua barrinha desenhada de 60g de magia pura! Expandir a percepção sobre o chocolate nunca foi tão prazeroso com um dos chocolates ao leite de coco mais autêntico que já comi até hoje. Não é à toa que “baile e tambores” me impulsionaram a criar sabores, harmonizei com um Leite de Pedra cítrico de laranja da terra e pétalas de flores amarelas da caatinga, exclusivo e inesquecível da safra flora. A inspiração veio da dança com Kalapa e esse baile de sensações é como a própria Luiza descreve no verso: É uma dança - entre a força e a doçura. Entregue-se e baile junto.
Conheçam mais da poesia sensorial dos chocolates da Kalapa acessando o site aqui, Luiza envia sua arte e delícias sensoriais para todo o Brasil. No instagram @kalapachocolates você acompanha as novidades e a produção da fábrica, além de mostrar a realidade na rotina ao criar experiências únicas através do chocolate, não só como um doce, mas principalmente como um alimento vivo, cultural e poético. Se delicie e expanda tua percepção!
obrigada por ler até aqui e apreciar essa escrita sobre a nossa cultura do comer. Até o próximo texto e degustem um chocolatim saudando as Deusas do Cacau.
Um xero grande e até a próxima
Rafa.M