Coragem e orgulho do chão que pisa.
Publicado no primeiro semestre de 2022, de forma independente e coletiva, o “Raiz Doce” é feito por muita gente de lugares distintos do Brasil, unidos pelo gosto num só coração: a cultura do povo doce!
Para assim, abrir os caminhos do entendimento sobre a nossa doçaria popular.
“Esse jornal foi produzido no período mais chuvoso do Ceará, entre os caminhos do sertão e do mar e em meio a tempos de muita mudança e luta.”
Cultura Doce
texto abertura da edição piloto por Davi Amaral e Rafa Medeiros
“Fogo de chão, mãos grossas de levar vapor da quintura de tachos e fornos, calos de segurar facas, facões, enxadas e colheres de pau. Mexer e mexer e mexer panelas, massas e farinhadas... sempre na direção do ponto certo. Ponto dado pelo olho e pelo toque que foi treinado pelo trabalho de muito ouvir e fazer.
Nossa Raiz Doce é nativa, trabalhadora, inteligente e destemida. Foi amamentada pela cunhã agricultora, gênia na ciência da macaxeira, seletora de milho, entendedora das abelhas nativas, das plantas de cheiro, pássaros e frutas. O conceito de sobremesa do colonizador jamais se aplicará aos nativos defensores de sua terra e origens, desde as civilizações antigas até o colonialismo moderno.
Nem o revisionismo histórico feito por jesuítas, historiadores ou sociólogos regionalistas, se destacando principalmente a categoria dos homens a serviço do poder burguês e da coroa portuguesa, foi eficiente em dizimar nossa cultura. O doce como sobremesa no padrão dos restaurantes ou como categoria de recompensa, não é algo inato da nossa raiz ancestral, mas sim fruto da opressão e da dominação econômica-cultural que nosso povo historicamente sofre.
Nem mesmo o grande império do açúcar foi capaz de acabar com a cultura do doce pelos erroneamente categorizados como “outros brasileiros”, povo esse que nasceu na nova colônia do sul, mas que nunca foi integrado à política pública. O novo mercado de escravizados da África obrigaram a adaptação de inúmeros povos, aos seus modos de viver e comer, junto aos indígenas que aqui já estavam, criando na faixa norte do país a maioria dos doces tradicionais que conhecemos hoje. Sem falar nas inúmeras contribuições que os considerados “latinos” dão à todo país.
São esses povos, sobrevivendo a exploração produtiva, os verdadeiros mantenedores da confeitaria clássica Francesa, pois sem o suor e sangue escravo do maior produtor de açúcar branco do mundo nos séculos XVI e XVII, não haveria grandes bolos e sobremesas para a corte de toda a Europa, influenciando até hoje toda uma hierarquia de saberes na confeitaria mundial como imposição cultural e ideológica baseada nos “desejos do mercado”.
A confeitaria brasileira sempre esteve em tanta crise quanto a própria identidade do povo. Confeiteiros do Brasil que desejam aprender na França cometem um crime capital, ou apenas são a consequência do assédio mercadológico? O caminho “à francesa” que a confeitaria do Brasil leva será a nossa nova identidade, ou ainda é possível reafirmar a participação de sabores nacionais, como a mandioca e seus derivados?
Já existia e se comia doce no Brasil muito antes de qualquer caravela apontar na nossa costa. Nossa historicidade e essência continua viva e muito bem representada pela luta do povo que defende e preserva a biodiversidade do nosso território. É nessa proposta de investigar, conhecer e conscientizar, que esse jornal quer existir. Para falar das pessoas que continuam construindo e preservando a nossa cultura doce. Estudando pra defender e espalhando pra registrar, o conhecimento, ao mesmo tempo antigo e novo, de onde surge a nossa cultura: do povo trabalhador. Demarcar a importância da Doçaria Popular Brasileira é afirmar parte da nossa história como gente e povo latino americano que somos, frente à pasteurização da cultura e à mercantilização do sofrimento.”
Nome: Jornal Raiz Doce
Edição: piloto
Mês: Abril/Maio
Ano: 2022
Tema: Cultura Doce
Sobre o Jornal: Produção independente, feito por trabalhadores, estudantes e pesquisadores que almejam construir conhecimentos sobre a cultura doce brasileira e todo o seu universo desde a alimentação, arte, questões geográficas, políticas, biodiversidade, filosofia, história, literatura, cultura popular, tudo que faça parte do ato de comer um doce no Brasil. Não é apenas misturar açúcar e ovos, é sobre as pessoas que plantam, lutam e protegem suas origens e histórias.
Sobre o tema da edição: “Cultura Doce” é um piloto do que pretendemos construir durante o decorrer das próximas edições. Ainda não se sabe do destino, nem de quanto em quanto tempo será lançado, só sabemos da força e vontade do jornal existir e ganhar o mundo.
Matérias:
1 - Cultura Doce / Texto da Edição
2 - Farinhadas e Cocadas: um caminho para as origens / Reportagem
3- Tu sabia? Cocadas como Patrimônio Imaterial. / Enciclopédia Doce
4 - Banana cozida no mel de engenho / Receita
5 - O Mel Branco de abelha nativa do Brasil / Notícias
6 - Guia de Plantas Visitadas por abelhas na Caatinga / Leitura
Quem fez:
texto de abertura da edição: Davi Amaral e Rafa Medeiros
fotos da edição: Juliana Venturelli
textos da edição e reportagem: Juliana Venturelli e Rafa Medeiros
receita da edição: Agricultura familiar de Pedra Branca-CE
Diagramação e produção gráfica: Ramon Cavalcante
A edição impressa do Raiz Doce esta disponível a venda no @doce.leitedepedra e todo o valor arrecadado é revertido para financiar nosso Projeto de Pesquisa sobre Doçaria Popular do qual o Jornal faz parte.
A próxima edição está prevista para o segundo trimestre de 2023, tendo como tema as Sementes que formam a doçura do nosso território.