na boca do fogão: raízes e tapioca com leite de pedra.
renascendo e ascendendo o fogo da escrita.
Molhar goma é arte, temperança. Tem que saber mexer com água e sentimentos. Tapioca molhada pronta é um luxo da modernidade, já é coisa prática de se achar por muitos lugares do Brasil e do mundo. Mas hidratar farinhas originárias das raízes da macaxeira é ofício antigo da nossa humanidade. Aqui em casa tapioca é de todo jeito e todo dia, não tem tempo ruim quando as palavras são "quer que eu faça uma tapioca?" Na hora de limpar o fogão alguns fogem, outros pagam com sorrisos, beijos e louça limpa pela maravilha das Deusas da goma fresca.
As histórias e sentimentos de cada sabor de tapioca são infinitas, mas a saudade é aquela que sempre reina quando é lembrado não só o sabor, mas o fazer desse nosso comer ancestral. "Eu gosto do beijú mesmo, sabe como é Rafa? sua mãe sabe fazer, mas ela só faz quando ela quer" ou "vou te levar pra comer ginga na beira da praia quando a gente for pro Rio Grande do Norte" é só um pedaço de muitas memórias nativas da nossa boca. Eu hoje tive saudade de tapioca com Leite de Pedra, uma das minhas combinações favoritas da versão doce. Apenas o disco grolado ainda morna saída do fogo, recheada com nosso doce artesanal deleite de coco com mel de cana, meu sustento e ofício de vida. Uma junção eterna de muito sentimento e resistência.
Aliar emoções ao comer é coisa que só a cultura e o coração explica. Saudade também é tempero da memória nativa. Viva a tapioca nossa de cada dia.
Pedras da doceira ou algumas sabedorias pra se compartilhar:
uma vez no mês tem crônica na boca do fogão e as pedras preciosas que guiam nosso gosto pela cultura de comer nativa.
* Mandiocaba, nossa raiz mais doce! Manihot esculenta Crantz é uma espécie de mandioca nativa da nossa terra. É uma raíz alimentar que apresenta alto teor de açúcar e que já faz parte de pesquisas no desenvolvimento de um açúcar e melaço de mandioca. Muito comum na cultura de comer dos povos do norte da Amazônia, a mandiocaba é comida essencial no fazer da Manicuera, um mingau doce feito apartir do seu caldo. Após ser trabalhada no catitu e espremida no tipiti, o sumo da mandiocaba é reduzido durante horas no fogo e por fim adicionado é arroz, gerando uma sobremesa nativa avermelhada, mística e tradicional das festas de boi (junho) em Araí no Pará.
pra conhecer mais leia aqui o artigo
*Jandaíra a rainha do Nordeste, é abelha nativa sem ferrão uma das mais conhecidas entre o povo do Ceará. Dia 20 de maio foi comemorado o dia mundial das abelhas e a Jandaíra além de um mel singular, é abelha de memória afetiva de muitos agricultores e povos indígenas, tendo assim um lugar especial no coração de muitos nordestinos.
*mini-dicionário dicumer:
grolada: massa úmida de mandioca que antes de peneirada ou ao entrar em contato com o calor na hora do cozimento, criam grumos chamados de “grolado”.
ginga - No Rio Grande do Norte se come Ginga na beira da praia (tapioca grolada com pilombeta frita
tipiti - espremedor de palha tradicional para a manipulação da mandioca.
“Tudo foi feito pelo sol” é um álbum especial pros momentos de iniciar o dia fazendo doce na beira do fogão, e também uma ótima trilha pra ajudar a escrever. Além de ser uma obra prima da música brasileira. “Desanuviar” e “Pitágoras” são bem especiais.
*pra findar, arte baniwa pintada de vermelho urucu phirimápa , semente ancestral.
Obrigada por esse encontro e até próximo texto.
Rafa que delícia de texto. Eu amo tapioca com queijo e melado de mandiocaba. Comprei o melado de mandiocaba na viagem que fiz a comunidade de Mangabeiras que fica no Pará. Amo esse álbum dos mutantes!